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Caneca

CONVERSAS DIFÍCEIS, UMA REFLEXÃO SOBRE VULNERABILIDADE

CONVERSAS DIFÍCEIS, UMA REFLEXÃO SOBRE VULNERABILIDADE
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26/11/2020
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Estávamos nos anos 90, em Blumenau, uma cidade no sul do Brasil. Eu trabalhava como Analista de RH em uma multinacional canadense, quando meu gerente informou que voltaria para São Paulo e iria me indicar para substituí-lo.

Minha colega Zelda era a analista mais antiga na empresa e tinha a evidente expectativa de ser indicada para a posição de gestora. Ela tinha 35 anos, era recém-casada e já estava há dez anos na empresa.

Eu tinha 27 anos, era solteiro e havia sido entrevistado e selecionado por ela mesma somente três anos antes, quando ainda era recém-formado. Estava começando minha carreira e era completamente inexperiente em cargos de gestão.

Contrariando todas as probabilidades, fui definido como o novo gestor. Na verdade, nem chegou a haver uma disputa para a vaga. Fui entrevistado pelo Diretor de RH da matriz e imediatamente promovido. Este processo foi sigiloso até a definição. Chegou o momento do então Gerente de RH comunicar esta decisão para toda a equipe. Ele chamou todos em sua sala e anunciou a escolha do novo gestor.

O clima foi de choque geral. Todos foram pegos de surpresa, afinal, a expectativa era de que alguém com mais tempo de empresa e experiência fosse promovido para o cargo. A maioria nem conseguiu disfarçar o desconforto com a decisão. Somente uma pessoa veio me cumprimentar e desejou boa sorte. As demais, simplesmente, voltaram para suas mesas, completamente caladas.

Eu era o mais novo de empresa e também o mais jovem numa equipe com 12 pessoas, da qual era par e agora seria o líder. Feliz pela promoção, mas desapontado pela recepção, ergui a cabeça e fui trabalhar. Aos poucos, fui ganhando a confiança do grupo e, alguns meses depois, a situação se normalizou, a equipe me apoiou e me aceitou como líder. Todos tiveram esse comportamento, exceto a Zelda.

Como pares, Zelda e eu formávamos uma dupla e tanto, nos complementávamos e liderávamos grandes projetos juntos. Além de colegas de trabalho, éramos também bons amigos. Mas o fato de passar a ser o Gerente de RH mudou tudo. Zelda não entregava mais o que era esperado, perdeu o ânimo e sua performance despencou. Tivemos algumas conversas, mas não havia vontade dela em mudar o comportamento e sua postura estava prejudicando o desempenho da área. Além disso, seu modo de agir estava causando um clima de desconforto em mim e no grupo.

Eu sabia da competência e da capacidade da Zelda e entendia que o abalo que sentiu ao ser preterida era a razão de seu baixo engajamento. Eu tinha alçada para decidir simplesmente demiti-la e seguir em frente mas, em respeito a toda nossa convivência e relacionamento, eu não me sentia confortável em tomar tal decisão sem explorar melhores alternativas.

Como gestores de pessoas e negócios temos frequentemente que lidar com conversas difíceis, aquelas ocasiões que são realmente espinhosas e que as reações e possíveis consequências não são previsíveis. Causam um grande desconforto, então temos a tendência a adiar ou mesmo evitar, mas no fundo sabemos que se não encararmos de frente não haverá solução e podem se agravar trazendo, muitas vezes, emoções tão intensas que podem gerar um despejo do conteúdo de forma contundente demais e por vezes agressiva.

Para não deixar a situação chegar a esse ponto extremo, um dia, convidei Zelda para almoçar e aproveitei o momento para esticar a conversa com ela. Falei do meu sentimento, que era um desafio gigante assumir a área de Recursos Humanos de uma empresa tão complexa, que na realidade não me sentia completamente preparado, tinha muitas dúvidas, receios e necessidade de encontrar meio jeito de gerir. Disse-lhe que eu estava aprendendo, aberto a crescer, tinha inseguranças e estava buscando apoio. Fui muito sincero em dizer que ela já não desempenhava em toda sua capacidade e que eu entendia sua frustração mas, do jeito que as coisas iam, não chegaríamos a lugar nenhum. A situação não estava boa para mim, nem para ela e muito menos para a equipe e a empresa.

Como eu estava no início da minha carreira e sem muita experiência, essa era uma conversa difícil. Na época, nem pensava neste tema conceitualmente, mas olhando em retrospecto, percebo hoje que meio que instintivamente, acabei adotando alguns cuidados que resultaram numa decisão acertada.

Mostrar meus sentimentos, minha vulnerabilidade e também todo o meu respeito, fez com que ela também se abrisse. Zelda disse que estava realmente decepcionada, que esperava por esta promoção e que o fato de nem ter sido convidada a participar a tinha abalado profundamente.

Entendendo que não seria possível sua continuidade na empresa, eu quis propor uma saída que mostrasse que entendia seus sentimentos e reconhecia suas necessidades, mesmo que não pudesse atendê-las. Propus negociar com a empresa seu desligamento com um bônus de dois salários adicionais e extensão do plano de saúde por seis meses, o que daria a ela um conforto financeiro para que pudesse partir para outros desafios com mais calma.

Ela sentiu suas necessidades atendidas, reconheceu meu apreço e esforço em resolver a situação e aceitou o acordo. Negociei com a Diretoria que, embora em princípio a empresa teria um custo adicional, um desligamento com respeito mostraria boas práticas de gestão e cuidado para aqueles que colaboraram com o crescimento da empresa no passado.

Combinamos que, em troca, ela faria o repasse das suas atividades para o novo profissional a ser contratado e mantemos assim controle dos processos e do histórico, realizando uma transição tranquila. Em 60 dias a situação estava resolvida e Zelda partiu em busca de novos desafios. Ela foi para outra empresa, onde está há mais de 20 anos e construiu uma carreira que lhe trouxe satisfação. E nós mantivemos um clima de cordialidade e amizade que dura até hoje.

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